O Ipec é o herdeiro do Ibope. Boa parte da equipe do tradicional instituto migrou para ele, mas o serviço é diferente. O Ibope divulgava os relatórios estratificados no site da empresa, geralmente alguns dias depois. O Ipec, aparentemente, não tem a mesma transparência, o que é uma pena. No Brasil, Datafolha, Ibope, Paraná Pesquisas, XP Ipespe, CNT costumavam divulgar os relatórios na íntegra. Seria muito bom que o Ipec seguisse a tradição.
Mas foram liberados alguns detalhes selecionados dos números estratificados que, ao menos, ajudam a entender a pesquisa.
Segundo a pesquisa, o ex-presidente ainda é o principal ator político do país, superando o próprio Bolsonaro em potencial de votos.
Lula teria 50% de potencial de voto, que soma as opções “votaria com certeza” e “poderia votar”.
Bolsonaro, em segundo lugar, tem 38% das intenções de voto.
Um outro fator curioso é a baixa rejeição do ex-presidente. Segundo a pesquisa, Lula é o candidato com menor rejeição entre todos os analisados: apenas 44% disseram que “não votariam de jeito nenhum” no ex-presidente.
A rejeição dos outros candidatos, por sua vez, está, em média, dez pontos mais alta. Bolsonaro, por exemplo, tem rejeição de 56%. Huck tem rejeição de 57%, Haddad de 52%, Ciro 53%, Marina Silva 59%.
Esses números de rejeição são curiosos, porque é difícil imaginar porque o eleitor teria mais rejeição a Huck e Marina do que a Bolsonaro ou Lula, que são muito mais conhecidos.
Um outro número curioso é que, segundo a pesquisa, 21% responderam que não conhecem Haddad (ou que não sabem), quase mesmo número de Marina, apesar de Haddad ter disputado o segundo turno em 2022.
Esse grau de conhecimento acaba gerando uma confusão nas interpretações, porque beneficia os mais conhecidos. Apenas 6% disseram que não conhecem Lula ou Bolsonaro, ou não souberam responder; outros candidatos são muito mais desconhecidos.
Essa não é uma pesquisa de intenção de voto, porque o entrevistado não é confrontado por um leque variado de candidatos, como o será na urna.
Nos dados estratificados, um ponto que chama a atenção é a força do ex-presidente Lula no Nordeste e entre os mais pobres. Segundo a pesquisa, 71% dos entrevistados do Nordeste responderam que poderiam votar ou votariam com certeza em Lula. Entre os eleitores com renda até 1 salário, este percentual pró-Lula foi de 63%.
Haddad e Ciro tem sua força principalmente entre eleitores com nível superior, onde alcançam 31% e 32%, respectivamente de potencial de voto.
Bolsonaro é muito forte entre evangélicos, onde tem 53% de potencial de voto, na região sul (potencial de 46%) e entre famílias com renda de 2 a 5 salários (potencial de 45%).
Conclusão: a força eleitoral de Lula é uma faca de dois gumes para a oposição. É mais ou menos o mesmo cenário de 2018, quando ele também se mostrava, de longe, o candidato mais forte, mas que, ao mesmo tempo, parecia empurrar para Bolsonaro um conjunto expressivo de eleitores de centro, que, em outra circunstância, jamais votariam num candidato tão extremista.
A perseguição midiático-judicial sofrida por Lula, culminando em sua prisão por mais de um ano, em meio a tantas denúncias de abusos e violações de seus direitos, acabou por gerar uma aura heroica ao redor do ex-presidente. Em termos políticos, isso representa uma justiça poética para Lula, merecida por conta dos altos serviços prestados a nação. Eleitoralmente, contudo, essa conjuntura agrega à disputa política um fator profundamente emocional, que não é tão positivo, tanto para Lula como para a oposição em geral. Para Lula, a emoção contamina o judiciário e as instituições de maneira geral: foi o que aconteceu em 2018, em que a perspectiva de se candidatar parece ter sido um dos principais motivos para que a justiça acelerasse suas condenações.
Ainda em 2018, vimos a sociedade se polarizar em torno de Lula, com outros candidatos quase desaparecendo nas pesquisas, e o “anti-Lula”, Bolsonaro, experimentando um salto.
Na pesquisa Ipec, a rejeição a Lula fica escondida pela “média”, porque ela é concentrada na metade sul do país, nas grandes cidades e nas faixas médias. Além disso, é uma rejeição que parece ficar “adormecida” em momentos de baixa temperatura política, mas que volta a explodir conforme esta se eleva. Foi o que vimos nas eleições de 2018, quando as intenções de voto em Bolsonaro pareciam seguir de perto as de Lula e depois do candidato híbrido Haddad/Lula.
Para a oposição em geral, a emoção ao redor de Lula é uma perigosa armadilha, porque transforma o debate eleitoral num plebiscito sobre o ex-presidente, deixando em segundo plano as próprias críticas ao governo Bolsonaro, além de jogar no vácuo qualquer menção a um projeto nacional. O eleitor decidirá apenas se quer Lula de volta ou não, o que nos levaria novamente, como em 2018, a “dançar à beira do abismo”, e não apenas no processo eleitoral, mas também num possível governo que se formaria.